Coleção Poesia Autoral

 Olá, queridos e queridas,

Venho dividir com vocês o lançamento da minha coleção de Poesia Autoral. São almofadas, posters, quadros, botons e muito mais com frases, aforismos, textos e poesias minhas. A parte que mais me anima é o quanto criar segue me curando da vida. 

Corre aqui e vem conhecer a coleção: http://www.colab55.com/@gabrielasgomes

Beijos






http://www.colab55.com/@gabrielasgomes

Reforma Íntima



Me chame do que quiser.

Mas no meio dessa esculhambação toda, de tantas propostas de reformas, eu só tenho conseguido pensar ultimamente em uma única: a reforma íntima.

Esse negócio de ir recolhendo pequenos escombros, varrendo os entulhos, tirar o pó, espantar os bichos, cuidar da pavimentação para proteger o que nos sustenta, encontrar pequenas delicadezas para decorar a casa.

Me chame do que quiser, que isso terá mais a ver com você do que comigo.

Mas por aqui a desordem tem estado, por vezes, tão grande que só firmando o dedo no interruptor de luz para se encontrar. Ainda que a escuridão ofereça pistas guiadas pela memória.

Reparou que a gente leva uma vida inteira se bagunçando?

E seguimos abrindo as janelas para arejar a saudade, plantando amor em vasinhos coloridos até os vasinhos tornarem-se pequeninhos demais para comportarem as raízes, as folhas e o florescer. Acontece que temos preferido contar com a chuva do que regar o afeto de próprio punho.

São chaves girando nas portas em sentidos horário e anti-horário. É um ressignificar sem fim de pessoas que vão passando - e, sabe lá Deus porquê, carregam cada vez mais pressa no caminhar.

Não tenho certeza se a gente um dia aprendeu, ou então, desaprendemos de vez a nos relacionarmos. Quem sabe melhorando a relação na ralação interior, a gente não involua. Se não conseguimor compromisso sério com o outro, que consigamos nos comprometer na melhora de quem somos.

A primeira vez que vi Luiza



                    A segunda vez que Carlos viu Luíza, ela sorria sem pressa de devolver o branco dos dentes ao céu da boca. A morena, de pele dourada, estava deitada sobre a canga de estampa indiana e batia a pontinha dos pés na areia de um jeito descompassado, embalando-se na diversão de seus headphones. Naquela tarde, Luíza trocou a aula de fotografia da faculdade de cinema pela companhia do sal e do mar. Na visão de Carlos era assim: Luíza em primeiro plano - linda! A bicicleta ao lado, também deitada na areia; na sequência, a garrafinha d'água, o protetor solar e a bolsa. Carlos gravou aquela cena com retinas zelosas, imerso na precisão para longas distâncias que só os homens têm, registrando frame a frame, capturando os milésimos de segundo com a disciplina de um relógio britânico em terras tupiniquins. Estava no ângulo mais favorável que poderia haver - o do sorriso de Luíza. Nos dias que seguiram, continuou editando as cenas na memória, percebendo-se extasiado com o jeito que Luíza levantava, alongava-se vagarosamente, esticava os braços sobre a cabeça e terminava batendo as mãos contra as coxas para tirar o excesso de areia da pele. O que os amigos mais ouviram, na época, era que ele havia encontrado a perfeição em mulher. Perfeita até os infortúnios cotidianos começarem a atrapalhar a relação que os dois tiveram.

Luíza e Carlos haviam se conhecido uma semana antes daquele dia na praia. Estudavam na mesma universidade, o turno coincidia e alguns amigos também. Ele cresceu na cidade cinza e barulhenta, pediu transferência do curso de jornalismo para morar na praia, levar uma vida mais tranquila, repor vitamina d, respirar ar puro, diminuir as crises de pânico. A verdade é que a nova cidade só o fazia transpirar - fosse pelas altas temperaturas que os termômetros acusavam, fosse por Luíza. Na primeira festa da turma, ficaram juntos. E essa foi a décima segunda vez que Carlos viu Luíza. De lá pra cá, engataram um romance. Três meses e já estavam dividindo a pia do banheiro, a cama e o aluguel, até, claro, começarem as brigas. Antes delas, a história é a mesma dos novos casais: sexo-sofá, sexo-cinema, sexo-sexo-sexo, até passar para sofá-cinema, sofá-sofá, sexo, brigas-sexo-brigas, brigas, sofá. Um leque variado de desavenças soprou ventos difíceis. Foi aberta a temporada de picuinhas. Luíza não suportava cheiro de leite e Carlos deixava o copo sujo de nescau, todas as noites, no criado-mudo - que amanhecia tomado com formigas. No primeiro mês, ela levou na boa, um mês e nem mais um dia.

No mês seguinte, ele continuou por implicância, dizia que Luíza ficava linda, brava. Carlos passou a alimentar uma implicância e impaciência pela coleção de orquídeas de Luíza, que a essa altura já não sorria mais. Na guerra dos sexos, ambos acusavam-se e era sempre o outro que deveria estar mais atento ao vencimento das contas, disposto para dar jeito na louça suja, vigilante na comida do cachorro, cuidadoso no revezamento do lixo do banheiro, animado para apagar a luz e para o sexo. Acontecia que Carlos adorava a noite e Luíza era solar. Na tardinha daquele que seria o último fim de semana juntos, começaram a brigar pelo novo seriado que queriam assistir. Luíza apertou o pause do controle remoto e pediu um tempo, disse que era melhor devolverem as chaves e entregarem o apartamento aos donos. Carlos tomou um susto e profundamente ofendido, dizia não confiar nessa coisa de tempo, era coisa de gente masoquista, instável, indecisa, infantil. A verdade é que ele nunca havia presenciado Luíza naquele estado. 

Quando entendeu que ela estava mesmo decidida a se separar, Carlos sugeriu terapia de casal. Luíza franziu a testa. Todo mundo já fez terapia de casal, se não fez, um dia vai fazer - argumentava com gestos largos. Luíza colocou os headphones e foi ler um livro na sacada. Jogou-se na rede, abriu a página marcada com o cartão de visitas do primeiro restaurante que foram juntos, até Carlos interromper, insistindo que deviam ver sim, um especialista. Luíza não queria conversa. Nem com Carlos, muito menos com um terapeuta. Ela preferia jogar búzios, fazer o mapa astral, ir num pai de santo, terapia, não. Terapia lembrava sua adolescência rebelde, quando era obrigada a toda semana, sentar-se numa poltrona dura dentro de uma sala com o ar gelado e falar sobre a sua vida durante exaustivos cinquenta minutos. Carlos insistiu que era importante, contou como os seus pais resgataram o casamento que a família, os amigos e eles próprios davam por falido. Luíza pediu licença, foi até o hall, ajeitou as almofadas no chão, acendeu um incenso de lavanda e foi meditar, precisava clarear as ideias.

Carlos entrou em pânico, decidiu pela terapia sozinho. Luíza pegou o protetor solar, a bolsa, os headphones e voltou para o mar. Carlos seguiu na terapia. Luíza permaneceu na areia. Carlos intensificou as sessões. Luíza seguiu cabulando as aulas da faculdade. Levou um tempo para Carlos finalmente compreender que Luíza era uma mulher de alma livre, desapegada. Essa foi a primeira vez que Carlos viu Luíza, que voltou a sorrir.





Eu te vejo. Você me vê?


Quando eu digo que te vejo é por estar disposta a ajudar para que nenhuma de suas dores sejam invisíveis.  

Se somos próximos, você já deve ter ouvido de mim: não existe assunto proibido entre a gente. É um pacto com meus amigos mais íntimos. É o meu pacto de vida comigo.

Olhar pra dentro assusta mais do que olhar pra fora. E nós sabemos que o mundo anda de uma estranheza e tanto.

Eu já pedi, em meio a muita dor, àqueles que me deram a vida para não estar mais aqui. Mesmo ali, sabia que o verdadeiro pedido era outro: pai, mãe, eu preciso de vocês pertinho de mim. Ao menos nesse instante que eu não lembro direito como é que se caminha. Mas nunca esqueci que foram vocês que me ensinaram os primeiros passos.

Deve ser por isso que gosto de olhar para os meus pés. Cabeça baixa sou eu admirada da própria coragem. Sei o significado de cada centímetro da sola do sapato ou pele quente, descalça, tocando o chão. E chão é duro.

O coração é bússola que orienta a seguir em frente. Mesmo quando as ideias nos atrapalham, escute o coração. Desapegue do pensamento - ele nos engana, ele se engana. Esteja disposto a abraçar o que sente, sem preconceitos. O que a gente sente nunca está errado.

Se você caminha com a sensação de que sabe um montão de coisas sem saber, você está certo. Sabe porque intui. Mesmo que não entenda. Os sinais estão todos aí. Reconhece, mas ainda não teve o tempo da compreensão. Tem coisa que demora mesmo a assentar dentro da gente.

Se acha de que suas dores são pessoais e intransferíveis, você está certo. Se sente que embora suas, dá para dividi-las, está certo também. E lembra, eu já estive doente dos olhos. 

Tudo o que a gente divide vira eco no mundo. Faz teu coração ecoar, esteja ele inteiro ou ferido. Estar inteiro não é estar imune ou indiferente à dor. É antes o contrário - só podemos ser inteiros ao entender como se espatifa em pedacinhos. E depois vai lá e se junta. Tem sempre alguém disposto a agachar-se com você e devolver aquela partezinha sua.

A gente se protege muito mais quando se mostra ao outro. Nos salvamos bem mais quando respeitamos nossas esquisitices, aquela parte menos bonita, nossas violências internas. Não existe sentimento proibido.

Aprendi com muita gente que aprendeu antes de mim: a gente está nesse mundo é pra se acompanhar. E eu não tenho mais medo ou vergonha de pedir a mão. Quero todas que se dispuserem com afeto. Não é sobre força que estamos falando. Ser o mais sensível não significa ser o mais frágil. Apenas ser o mais disposto a ver o mundo e as pessoas como elas são. Como elas estão. 

Eu te vejo. Você se vê?

E quando eu digo que te vejo - e peço que se veja, é por estar disposta a ajudar para que nenhuma de suas belezas tornem-se invisíveis a você. Insensíveis a você.

Precisamos, mais do que nunca, respeitar a dor nossa e a do outro. Tem gente demais desistindo. De tudo. De si, da vida, do mundo. E isso é muito sério. Tem muita gente cansada demais e que, sozinha, se vê em desespero. Uma gente que desista da própria vida, pra mim, é multidão.

Eu sigo te vendo Você me vê?

Eu estou aqui. E não existe assunto proibido entre a gente. O que se sente nunca está errado. Mas sei que podemos estar enganados em relação ao que escolhemos fazer com aquilo que sentimos.

Para você viver mais


"Morre médica baleada durante assalto na Zona Norte de Porto Alegre

Foi a primeira manchete que meus olhos cruzaram logo pela manhã. Não era preciso completar a notícia para ter certeza de que era a Grazi, linda, na juventude dos seus 32 anos, que desde a noite anterior lutava pela própria vida depois de um ato estúpido, covarde, brutal. Após uma violência ainda sem identidade.

Tristeza, incredulidade. A náusea da revolta me tomou a boca e ardeu os olhos que embaçaram. Nem um copo d'água desceu. Custei a levantar da cama. Parecia não fazer o menor sentido sair de casa, ganhar às ruas e ir para o trabalho. Li a notícia e a banalidade com que a vida havia se tornado fez com que encolhesse mais ainda o corpo.

Precisei ouvir de amigos para acreditar que ela não estava mais aqui, mesmo distante há algum tempo. Voltei  à época das Irmãs, ao tempo de escola, lembrei  de quando cruzávamos a praça Zeca Netto para assistir aos garotos andar de skate, curtindo o sol esparramadas na grama, esperando o cair do dia naquela cidadezinha do interior onde o tempo parecia custar a passar.

Morreu a Graziela Müller Lerias. Vítima da impunidade. Morreu uma filha. Vítima da negligência de nossas DESautoridades. Morreu uma irmã. Morreu nossa amiga. Um ser humano que dedicou sua vida a cuidar de outros. E, curiosamente, especializou-se em tratar das doenças dos olhos. Fez da sua paixão, ajudar as pessoas a enxergarem a vida como ela é.

E é em sua memória, pela vida que aqui viveu, pela saudade que deixa que nossos olhos estão ainda mais atentos, que nossos olhos estão tão mais abertos, vigilantes. É para que sua família se sinta abraçada. Para que Priscila se sinta amparada que não cruzaremos nossos braços para o caos que está Porto Alegre e toda violência. 

Há 13 anos, eu saí da mesma cidadezinha que a Grazi para tentar a vida na capital. Ela esteve por aqui menos tempo que isso e partiu cedo demais. A bala que atingiu seu corpo acertou em cheio todos nós. Interrompeu seus sonhos. Devastou uma família da qual nos sentimos parte.


Porto está mais triste. E cinza. À mercê da violência urbana. Vivemos em terra de ninguém. Desamparados. Contando com a sorte e o despreparo de um governo que deveria cuidar de nós. Deveria cuidar dos nossos. Eu não sei o que nos espera na próxima esquina. E convido você a também não esperar. Chega de violência. Basta de impunidade!


Entrevista - Escritores da Web


Fui convidada a bater um papo sobre minha produção literária para a matéria "Escritores da Web", que você pode conferir na íntegra aqui ó. A entrevista, concedida à jornalista Graziela Fioreze, juntou uma galera super bacana, que tem feito acontecer na rede e fora dela - com nomes que já ganharam as livrarias, mantém contrato com grandes editoras nacionais, conquistaram espaço na TV e o coração de diversos leitores! De alguns deles você certamente já ouviu falar, como é o caso do Pedro Gabriel, autor da dobradinha "Eu me Chamo Antônio".

Escrever no Brasil é complicado. E mesmo que a Web seja um lugar democrático, o desafio de encontrar leitores que se identifiquem com o seu texto, ideias, forma de pensar, é real. E olha que de lá pra cá, já se vão 9 anos brincando de contar histórias e dividindo uma parte de mim com desconhecidos. 

Na matéria, falo sobre produção de conteúdo multiplataforma, como nasceu a ideia do blog (esse aqui mesmo que você tá lendo), meu interesse pela escrita, alguns projetinhos pessoais, o que penso a respeito do papel da internet na propagação de bens culturais e outras coisinhas mais.



Me acompanha nessa? Escreve pra mim, depois de ler.

Vai ser bem legal trocar uma ideia! 

gabrielasgomes@gmail.com 






https://readymag.com/186894

Quadrilha pós-moderna



Joana amava Douglas 
que curtia as selfies da Luana
que compartilhava os tweets do Pablo
que não sabia se cutucava Marina ou João.

Joana trocou o facebook pelo badoo.
Douglas se apaixonou pela prima distante
do grupo de whatsapp da família.
Luana casou um mês depois de conhecer
um carinha novo no tinder.
Pablo assumiu-se Lisandra.
Marina virou fotógrafa de instagram.
João desistiu da palhaçada toda

por nunca ter recebido nudes de ninguém.

Por Gabriela Gomes
(Adaptação de Quadrilha - Carlos Drummond de Andrade)

Duda, Muriel ou qualquer um de nós



Quando Duda bateu à porta, Muriel sentiu um frio na barriga. Misto de ansiedade e covardia, pois sabia que era necessário parar as coisas onde haviam começado. Lembrou que, há muito, recolhia seus pensamentos e vontades apenas a si e ao seu travesseiro.

Antes de abrir a porta, Muriel parou para ver o seu reflexo no vidro do quadro da sala. Queria estar inesquecível em suas próprias lembranças.

Não houveram cumprimentos formais, um olhar tímido e breve foi o que ela conseguiu oferecer. Já Duda, surgia acompanhado de um enorme sorriso, provavelmente, o seu melhor. Ele era mesmo bom em desconcertar uma parcela significativa de mulheres. Aturdida, Muriel travou os lábios. Ver os outros arrumarem a mala sempre a acometia de um certo vazio. Não fazia juízo de ser bom ou ruim, apenas um nada.

Sabia que era preciso aproveitar aquele momento e aos poucos foi se soltando. Naquela noite conversaram muito, riram outro tanto, compartilharam histórias tolas e alguns sonhos deixados pra trás. Duda subiu no parapeito da sacada, viril e destemido, nada seria capaz de intimidá-lo naquele momento. Muriel implorava para que descesse dali, carregava um medo e tristeza antecipados. Chegou a sentir raiva de si, mas sabia que era a melancolia da ocasião. A fórmula: madrugada + a pessoa de quem se gosta + coração aos pulos não poderia oferecer outra coisa. Pelo menos não a nossa menina. 

Neste misto de emoções, ouviram música, falaram da vida alheia, recordaram histórias da adolescência, lembraram dos apelidos de escola. Muriel até perguntou, mas Duda não dividiu nenhum de seus planos futuros. Recolheram-se na cozinha enquanto ela esquentava a água para o café. Recostados no balcão da pia aguardavam em silêncio o chiar da água quente. Ele pegou duas canecas, providenciou o café - o dela sem açúcar, e brindaram à madrugada.

Brindaram a cada gole. Ele ofertava aos dois, enquanto Muriel baixava os olhos e sorria como a querer nada e tudo de vez. Encarar os olhos de Duda era como afrontar os próprios olhos no espelho. Voltou sua atenção aos sinais do próprio corpo e entrou em desconfortável alerta: sentia as mãos suarem, a respiração acelerada e curta, a gastrite nervosa desconstruía aquele momento que tinha tudo para ser perfeito. 

Foi Duda quem se antecipou e buscou a chave que repousava na porta, girou a maçaneta com a convicção de que era hora de partir. Muriel chegou a falar baixinho que abriria para que ele retornasse, conforme reza os mandamentos dos supersticiosos. Trocaram um abraço demorado e em silêncio disseram adeus. Duda partiu sem olhar pra trás.

Muriel ficou tentando descobrir em que momento esquecera aberta a porta pela qual Duda entrara em sua vida. Desta vez ele apenas houvera feito o caminho inverso. Ou como um ladrão que furta o que se tem de mais precioso e foge pulando a janela. Assim como acontece na nossa vida, Duda saiu da vida de Muriel sem nunca ter entrado de verdade.

 
A Cronista © 2013 | Gabriela Gomes. Todos os direitos reservados.