Duda, Muriel ou qualquer um de nós



Quando Duda bateu à porta, Muriel sentiu um frio na barriga. Misto de ansiedade e covardia, pois sabia que era necessário parar as coisas onde haviam começado. Lembrou que, há muito, recolhia seus pensamentos e vontades apenas a si e ao seu travesseiro.

Antes de abrir a porta, Muriel parou para ver o seu reflexo no vidro do quadro da sala. Queria estar inesquecível em suas próprias lembranças.

Não houveram cumprimentos formais, um olhar tímido e breve foi o que ela conseguiu oferecer. Já Duda, surgia acompanhado de um enorme sorriso, provavelmente, o seu melhor. Ele era mesmo bom em desconcertar uma parcela significativa de mulheres. Aturdida, Muriel travou os lábios. Ver os outros arrumarem a mala sempre a acometia de um certo vazio. Não fazia juízo de ser bom ou ruim, apenas um nada.

Sabia que era preciso aproveitar aquele momento e aos poucos foi se soltando. Naquela noite conversaram muito, riram outro tanto, compartilharam histórias tolas e alguns sonhos deixados pra trás. Duda subiu no parapeito da sacada, viril e destemido, nada seria capaz de intimidá-lo naquele momento. Muriel implorava para que descesse dali, carregava um medo e tristeza antecipados. Chegou a sentir raiva de si, mas sabia que era a melancolia da ocasião. A fórmula: madrugada + a pessoa de quem se gosta + coração aos pulos não poderia oferecer outra coisa. Pelo menos não a nossa menina. 

Neste misto de emoções, ouviram música, falaram da vida alheia, recordaram histórias da adolescência, lembraram dos apelidos de escola. Muriel até perguntou, mas Duda não dividiu nenhum de seus planos futuros. Recolheram-se na cozinha enquanto ela esquentava a água para o café. Recostados no balcão da pia aguardavam em silêncio o chiar da água quente. Ele pegou duas canecas, providenciou o café - o dela sem açúcar, e brindaram à madrugada.

Brindaram a cada gole. Ele ofertava aos dois, enquanto Muriel baixava os olhos e sorria como a querer nada e tudo de vez. Encarar os olhos de Duda era como afrontar os próprios olhos no espelho. Voltou sua atenção aos sinais do próprio corpo e entrou em desconfortável alerta: sentia as mãos suarem, a respiração acelerada e curta, a gastrite nervosa desconstruía aquele momento que tinha tudo para ser perfeito. 

Foi Duda quem se antecipou e buscou a chave que repousava na porta, girou a maçaneta com a convicção de que era hora de partir. Muriel chegou a falar baixinho que abriria para que ele retornasse, conforme reza os mandamentos dos supersticiosos. Trocaram um abraço demorado e em silêncio disseram adeus. Duda partiu sem olhar pra trás.

Muriel ficou tentando descobrir em que momento esquecera aberta a porta pela qual Duda entrara em sua vida. Desta vez ele apenas houvera feito o caminho inverso. Ou como um ladrão que furta o que se tem de mais precioso e foge pulando a janela. Assim como acontece na nossa vida, Duda saiu da vida de Muriel sem nunca ter entrado de verdade.

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