Entrelinhas



- Oi, como vai você?

(Vou do jeito que dá. Vou, aliás, do meu jeito que é o jeito possível. Sigo em frente pra não perder o ritmo, porque se parasse agora juro não saber onde acabaria. Provavelmente, me perderia por aí, mudava o curso e a direção para desaparecer na primeira esquina. Mas também não tenho certeza se você realmente se interessa. Você se interessa? Se eu disser o que sinto agora, de verdade, na lata, na surpresa, talvez o pegue deveras despreparado por estar quebrando o ritmo de um diálogo cotidiano tão previsível e normalmente raso, porque desarmaria de imediato a sua pergunta retórica, atropelando a chance de uma resposta corriqueira e evasiva, de você dizer que está tudo bem – mesmo que não esteja. “Oi, como vai você?” se tornou uma pergunta tão banal quanto “Será que chove?”.

Se, por exemplo, agora que você me olha com doçura e sorriso aberto esperando uma resposta para poder seguir em frente eu disser que não estou legal, você teria tempo de parar para me ouvir? Possivelmente, você também esteja pensando o mesmo a meu respeito e limite-se a dizer que está “na correria”. Todos estão na correria. O mundo anda cada vez mais avesso às nossas vontades e gira em velocidade frenética, deixando-nos neuróticos. O dia a dia nos escapa tão sorrateiro que é preferível e conveniente que deixemos a franqueza para outro dia, afinal, temos uma rotina pesada a ser cumprida.

Presumindo que eu realmente me interesse pela sua pergunta e você francamente se importe como me sinto, se eu falasse tudo o que me assola neste momento você desistiria de me saber verdadeiramente? Entendo o desconforto, tem dias que nem eu reparo como me sinto até alguém perguntar como estou. Sei lá, acho que essa pergunta deveria ser proibida em dia cinza. Dia cinza é um convite a olhar pra dentro e o que se esconde lá pode ser um perigo. Mas é mais perigoso não saber o que nos habita. Melhor evitar. Não quero desfazer esse seu sorriso. Só continue me olhando.

Você aí parado na minha frente, me encarando enquanto mantém o sorriso aceso e eu aqui pensando esse monte de bobagens, pensando inclusive que tenho pensado muito em você. Tanto que me distraio. Tanto que me perturbo. Tanto que me perco nesse riso branco. É como se não soubesse onde você termina para que eu comece. Distraio-me com seus cílios compridos que se beijam a cada fechar de olhos – já falei que acho um charme cílios longos e o quanto gosto deles?

Saudade da sua pele contra o sol. Imagino o sol nesse dia sem cor. Imagino como anda a sua rotina e como vai a sua nova vida. Será que você ainda prefere o lado esquerdo da cama e dorme com um travesseiro entre os joelhos? São os pensamentos que me prendem a você, são tantos que se enredam uns nos outros – diferente dos cílios que se beijam a cada fechar de olhos e se desprendem suaves. Me olha, mas não assim, por que não saiu andando, me ignorou, não fechou a cara, atravessou a rua ao me ver? Não me dê todo esse tempo para responder o que nem eu sei direito. “Será que chove?” resolveria metade dessa angústia. Eu poderia não responder nada e continuar só te observando. Seu silêncio de espera é quase um pedido para que eu fique. E eu já não sei como ficamos nós).

- Vou bem, e você?


4 comentários:

  1. Tem pensamentos que valem mais do que qualquer outra coisa no mundo. Impressões sobre a vida, sobra a pessoa, sobre a personalidade que nos tira o sono - ou nos faz sonhar ainda mais - sobre a verdade que queremos mostrar pra alguém.

    Afinal, talvez as cores nos dias cinzas o deixem muito comum, não?

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  2. O tempo responde, e o silêncio....esse mais ainda. Super abraço.

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