NUNCA LIMPEI MINHAS TARTARUGAS

Foto Keren Su
Texto: Gabriela Souza Gomes



A gente têm cada gosto mais estranho nessa vida. Mais estranho do que os gostos, muitas vezes, são as maneiras de se gostar. Antes estranhas do que duvidosas. Apesar de que nem tenho certeza de que uma coisa exclui a outra. Mas combinemos assim: você fica com os seus que eu fico com os meus.

Estranho assim era o jeito que eu gostava das tartarugas lá de casa. Eu gostava mais do fato de ter os bichanos se debatendo no aquaterrário – que mais fazia as vezes de aquário de tanta água que costumava ter, do que propriamente dos bichos. É um pouco de possessão, você pode pensar, mas eu também não direi que não. Gostava mais era da idéia de contar às pessoas que eu tinha duas tartarugas. Mais da idéia de ver as comidas boiando n'água. Por gostar de tantas coisas próximas a elas, acabei gostando delas também. Mas só no final.

Logo que as duas novas hóspedes chegaram em casa eram os xodós da família - e olha que não tinham as carinhas tão simpáticas, e ao abanarem o rabo era mais por espanto do que por satisfação, diferente do Buddy, o cachorro da minha irmã mais nova, que a gente diz que é dela mais pra contentá-la. Faz cinco anos que ela acredita nessa história.

Mas voltando às tartarugas: assim que nos acostumamos com a presença delas, não existia mais um dia para limpar a morada das duas Bonitas. Bonitas porque morreram sem nome e eu agora, 'in memorian', as batizo. O dia da limpeza era um verdadeiro empurra-empurra. Nem eu, nem minha irmã, nem ninguém se solidarizava com a situação das Bonitas. Minha mãe, porque morria de nojo do cheiro da caixa de vidro; minha irmã, porque preferia o cachorro; meu pai, porque sempre tinha coisas mais importantes a fazer; e eu, porque também tinha coisas mais importantes a fazer. Até a faxineira se sentia no direito de não encarar essa limpeza pesada.

Apesar do primeiro descaso, mais ou menos dia, alguém acabava por fazer a boa ação da semana, quando não, do mês. Escovavam-se as pedras, trocava-se a água, o vidro era limpo. Mas de uma coisa elas jamais reclamariam caso tivessem como se fazer entender: eram super bem nutridas. Minha mãe, que sempre gostou de mesa farta, também não economizava em comida para as duas, que ganhavam mini-camarões vindos diretamente da loja que ficava na esquina de casa, e vendia comida para bichos.

Com o passar de alguns poucos anos - três ou quatro, as Bonitas viraram pauta das reuniões de família. Aliás, reunião importante mesmo, só rolava graças as duas:
- As tartarugas precisam de pessoas que verdadeiramente se dediquem a elas. - Dizia minha mãe.
- Dão duma vez antes que eu suma com elas e acabe com essa história. - Não se demorava meu pai, enquanto minha irmã sacudia a cabeça concordando com ele, como a mostrar preferência e devoção pelo cachorro.
- Não! Não façam isso. - Era o que sempre se ouvia da minha boca.

Posso até jurar que aquelas tartarugas escutaram nossa conversa. Não demorou muito e a mais ingrata cometeu suicídio. Aposto que a outra deu cobertura. Sobre a falecida, eu só soube alguns dias depois. Na verdade, não levei muita fé nessa história, e vivo pensando: "Como uma tartaruga que come melhor que gente pode desejar o próprio fim?".

Já a que restou e, heroicamente, suportou a solidão, foi mandada embora. Minha mãe contratou todo o serviço sujo: pediu a dois amigos da minha irmã, que levassem a Bonita até o arroio da cidadezinha onde morávamos. Eu, mais uma vez, soube só depois. Dessa vez, bem depois. Confesso: demorei quatro meses para perceber a ausência dela. Tá foi seis meses. Ah! Dois mesesinhos a mais, dois a menos, apenas a diferença de uns sessenta dias. Perdoável. Afinal, eu gostava delas, sim.

A gente têm mesmo alguns gostos estranhos e formas duvidosas de se gostar. De recordações das duas só restaram pedrinhas, ramos e folhas de plástico e a caixa vazia. Pode ser que eu gostasse mais do movimento da água do que das tartarugas. Mas agora, nem água existe mais. Talvez gostasse mais de observá-las nadar. Pescar com a boca a comida que a água ia levando pra longe. Do casco como esconderijo.

6 comentários:

  1. Meu rs... enganar sua irmã fo o melhor rs....
    eu tenho alguns bichinhos peçonhentos tbm huahua é legal rs..

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  2. Gostar é muito singular mesmo.
    E nem dá pra medir!
    A Bonita que se matou,foi trágica. A que foi embora, teve fim incerto.
    Só ficou a saudade estranha...
    Bonito!

    Beijo;*

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  3. Eu tinha uam cachorra a Xuxa, eu gostava dela do meu jeito sabe? Bem ela sabia, eu não precisava ficar me esfregando nela o dia inteiro, beijando o focinho, comendo pelo...Ela tambem não era dada á essas melosidades! (eu acho)
    As vezes eu me sentava na escada de casa assim de bobeira, só pra pegar um solzinho, olhar pro céu e ela me acompanhava.
    Sinto falta dela...

    bjo

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  4. "Do casco como esconderijo" metáfora interessante essa...

    Lembro dos meus peixinhos, era um cheiro horrível mesmo o aquário quando eu e meu irmão tínhamos que trocar a água, argh.

    Nós tinhamos um periquito e um papagaio também.
    Um dia o periquito sumiu, minha disse que o periquito fugiu, voôu, decidiu voltar pra floresta...

    Mais tarde descobrimos que o papagaio comeu o periquito.
    Uma tragédia...
    Adoro animais de estimação, sempre os tive.
    Eles tem por nós o chamado amor incondicional, e nem precisam de cascas ou casulos para se esconder...Como muitos de nós.

    Beijinhos.

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  5. ah.. tem ums bichos que a gente nem nota.. às vezes quase como um objeto decorativo na sala.

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  6. A Gabi (perdão pelo nome da minha cahorra) era uma fofa... pena que eu não era madura suficiente pra notar, tinha um jeito brincalhão de me lambusar toda de lama qndo eu abria o portão chegando em ksa,eu achava um nojo, mas era apenas o modo dela mostrar o carinho, era a primeira a me entregar nas fugas noturnas, latindo e fazendo muito barulho feliz com o meu retorno, odiava ter que fazer o lanchinho dela qndo meu pai me pedia, fazia sempre uma cara de nojo, achava desnecessário ter um bicho enquanto existia tanta criança passando fome no mundo... Não sabia o quanto me faria falta a Gabi, com suas alegrias exageradas... Bom era meu Pai, que depois de um dia exaustivo de trabalho estava disposto a passar 30 min num fogão pra fazer a comida dela!!! bondade que me faltou!

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