Toda escrita é Exorcismo e Reza



Eu escrevo como quem reza baixinho para o primeiro santo que ouvir
e simpatizando com os meus pedidos atender alguma prece.

Escrevo para me desafiar. Testar minha resistência, calcular
quanto tempo aguento sem fôlego até o fim da próxima linha, frase, parágrafo, história. 

Eu escrevo para me vingar da realidade que me rouba o ar, soca a cara,
Contrai o estômago e me enoja dia após dia.

Escrevo como quem engole a última fatia de pão a seco na hora da fome
E busca do fundo da garganta o resto de saliva para deglutir a vida.

Se eu escrevo é para não estilhaçar os vidros e espelhos de casa.
Para não cortar os pulsos, expor as vísceras, assustar os cachorros.

Escrevo para não ser encontrada boiando sem vida com os pulmões
cheios d’água na calunga maior.

Escrevo para exercer minha onipotência e brincar de deus de
meus próprios personagens e pensar que posso estar enganando
a própria morte.

Se eu escrevo é para perder o medo das minhas entranhas, 

enxergar através das minhas sombras, para deixar meus rastros de violência
apenas em tinta. De papel.

Mesmo que tenha antes sangrado. Mesmo com cicatrizes expostas.
Mesmo que a dor seja latente. Mesmo que toda uma vida não cure.

Escrevo para ir deixando o peso no meio do caminho.

Para quem sabe você também comece a se sentir normal
compreendendo o seu instinto de bicho que vez em quando
mostra as garras afiadas.

Ou você também não se assusta com quem é?

Escrevo para saber até onde suportam saber sobre mim.
Conhecer quem sou de verdade. Acompanhar meus passos.

Escrevo pra me salvar. Para não desistir de quem fui me tornando.
E estou me tornando cada vez mais quem nasci.

Se você chegou até aqui, espero que renasça a cada dia
para salvar-se também.


Gabriela Gomes

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