Todo bom livro é autoajuda





Sempre achei graça na classificação literária que intitula um livro como autoajuda. Eu disse classificação literária? Autoajuda é literatura, por acaso? Se chegar a gênero, certamente, é gênero menor.

Sei que estarei despertando a ira adormecida dentro dos mais letrados e intelectualizados – que claro, jamais espiaram um parágrafo sequer do que consta dentro destas páginas ditas milagrosas. Pensa na tragédia de ler um troço desses e gostar?

Posso imaginar por antecipação, a cara feia, a testa franzida, o olhar torto e desconfiado que farão com o que estou prestes a dizer, mas: todo bom livro é autoajuda, baby.

Como assim? Que desaforo e atrevimento são esses, menina? Você tem noção do que está falando? Como ficam Shakespeare, Bukowski, Pessoa, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Virginia Woolf, Machado de Assis, Tolstói, Nietzsche, Dostoiévski? Você enlouqueceu com tamanha barbaridade? Ora, ficam nos mesmos lugares onde se encontram: no topo, nas prateleiras das melhores livrarias, nas prateleiras da biblioteca da sua casa, no seu colo, em suas mãos. Ou ainda, no seu iPad ou Kindle – sendo você um leitor high tech.

Bem, talvez eu tenha mesmo enlouquecido. Mas o ilustríssimo Aurélio – o carinha aquele lexicógrafo, que deu nome a um dos dicionários mais requisitados do país, nos conta que Autoajuda significa: “1. Processo em que se utilizam os próprios recursos mentais com o fito de superar problemas, resolver dificuldades, etc., de ordem psicológica ou prática. 2. Conjunto de aconselhamentos, de informações, diretas ou indiretas, por meio de leituras, palestras, que irão possibilitar a autoajuda.” Assim sendo, quem mais poderia ajudar você a utilizar os próprios recursos mentais a fim de superar problemas de ordem prática, a dar bons aconselhamentos do que Shakespeare, Bukowski, Pessoa, Nelson, Clarice, Virginia, Machado, Tolstoi, Nietzsche, Dostoievski e outros tantos clássicos?

Livros estão na roda para nos ensinar a pensar, questionar, estruturar raciocínios lógicos, e inclusive, pôr à prova tudo aquilo que acreditávamos veemente. Tudo, feito a partir de personagens peculiares, temáticas, cenários, panos de fundo diversos e infinitas provocações. Com ou sem lirismo, a base do soco no estômago ou da carícia – independe. Aliás, livros nos permitem a dúvida, a não ser que você seja um daqueles que acredita em tudo o que lê. Bons livros nos ensinam a mudar as perguntas e instigam a continuar atrás de respostas.

Em recente pesquisa, cientistas descobriram que ler poesia é mais eficaz em tratamentos do que ler estes ditos autoajuda. Qual deles está ajudando mais, então? A obra “Toda Poesia” do Paulo Leminski superou as vendas de livros como “Cinquenta Tons de Cinza” – que embora eu não tenha lido, pelo frisson causado, me leva a pensar que possa ter feito, inclusive, a mulherada repensar o sexo e ajudado as mais tímidas a destravarem na cama. Ok, apenas uma suposição do que os livros são capazes de despertar nas pessoas, e se virou uma leitura popular, deve ser considerada boa por inúmeras pessoas.

Independente da classificação, eu continuo acreditando que todo bom livro é autoajuda, pelo aprendizado, pela mensagem, pela provocação. E o que é bom pra você, pode não ser pra outro. Aliás, até mesmo livros ruins são capazes de nos ajudar a descobrir o que não gostamos.

Nunca aprendi tanto sobre a malícia da vida como com Nelson Rodrigues; jamais tive professora mais completa sobre os ensinamentos da alma feminina do que Clarisse; Bukowski – o velho safado me ensinou sobre atrevimento e liberdade; Shakespeare, a respeito do tal monstro de olhos verdes que zomba da carne de que se alimenta.

Se esse povo aí vai se revirar na tumba por estarem em um texto que os sugerem como autoajuda, eu não sei. Mas eles sempre me ajudaram mais do que os livros que se vendem com tal propósito. Então já sabe, ajude-se lendo coisas realmente boas. Mas ajude-se e leia.

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Coluna especial para o MeuBairro, onde escrevo às segundas-feiras: http://tinyurl.com/k26uwg6

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