A relação terminou. Vocês não estão mais juntos. O sentimento minguou e o fim foi decretado. Além do nome de batismo, agora se referem um ao outro com impropérios ou palavras acompanhadas do prefixo ex junto a um bom hífen – que é pra manter a devida distância: ex-namorado, ex-mulher, ex-amor, ex-homem da minha vida, aquela cretina!
O amor depois que acaba costuma deixar um enorme vazio dentro da gente. Um buraco tão profundo que se alguém pudesse gritar em nosso peito, faria eco. A primeira instância, somos arremessados contra uma realidade assustadora. Um desconforto vai se instalando e a atmosfera diária se torna mais densa, até mesmo a respiração fica mais pesada.
Sorrateiro, o vazio que nos habita acaba fixando residência e dividindo morada conosco. Passeia pela casa cômodo por cômodo, deita junto na cama, senta para o café, divide a leitura do jornal, segura os prendedores enquanto estendemos as roupas no varal e nos acompanha nesta solidão diária, como se estivéssemos à mercê da sombra da própria alma.
Dá medo encarar o espelho logo que o amor acaba. É como se os olhos não pudessem evitar a pergunta: “e agora?” Mesmo que tudo tenha ficado numa boa, mesmo que tenha sobrado afeto, é um futuro diferente que se apresenta. Impossível não chorar. A gente até duvida: “esse sujeito abatido refletido aí sou eu?” Não nos reconhecemos com o semblante assustado, os lábios tristes, o olhar longe, as unhas roídas.
Depois que o amor acaba ficamos nós destruídos, como se tivéssemos recém saído de uma longa e árdua batalha. Exaustos, doídos, em frangalhos. Perdemos parte da referência, precisamos reconstruir a própria identidade, é comum que estejamos um pouco bagunçados. E daí até o luto chegar ao fim não há como pular etapas.
Fica um silêncio irreparável, ensurdecedor que grita verdades que não queremos ou ainda não estamos preparados para ouvir. Fica a incerteza e a tristeza de não ter dado certo. A mágoa. A frustração. O trauma. O desatino. O alívio. Ficam dois adultos com o ego ferido. Sobra o medo de que não voltemos a amar tão logo, e castiga a fantasia de que tenhamos gastado todo nosso amor com uma só pessoa. Ficamos secos de afeto.
Depois que o amor acaba ficam as músicas, e leva tempo para fazer as pazes com aquela canção que foi do casal. Ficam os presentes recebidos escondidos em um canto pouco visitado do roupeiro. Ficam diversos cabides órfãos dos vestidos dela, prateleiras viúvas das roupas dele. Ficamos nós emoldurados em várias fotos dentro de uma caixa de sapatos esquecida numa gaveta. Lembranças de viagens, datas comemorativas, momentos únicos. As cartas trocadas e escritas de próprio punho também vão parar no arquivo morto.
Fica uma saudade disfarçada de esperança. Resta uma tristeza disfarçada de raiva. E a gente não consegue disfarçar que anda perdido. Alterna-se uma vontade de não fazer absolutamente nada, para logo surgir uma urgência eufórica de sair pra rua, ganhar o mundo, beijar várias bocas, experimentar novas peles para voltar a sentir alguma coisa e ter certeza de que não se sente mais nada pelo outro – o que também pode ser explicado pelo medo de silenciar para não se confrontar com os próprios pensamentos. Você sabe que a dor irá acompanhá-lo aonde quer que esteja.
Depois que o amor acaba fica uma violência velada que praticamos constantemente contra a gente, imaginando se ele já está refeito, inteiro, se ela anda mesmo feliz. Se já encontrou alguém que mereça ocupar o lugar que fora seu, se usará as mesmas frases de efeito que funcionaram com você. No fundo, é só o medo de ser esquecido.
Depois que o amor acaba fica a dúvida do que poderia ter sido se fosse diferente. Fica uma história pela metade ou um destino que se cumpriu. Um livre arbítrio concretizado, uma decisão do coração acatada pela razão ou vice-versa. Fica a impossibilidade de colar pedacinho por pedacinho do que foi quebrado. Ficam lembranças que vão surgindo e vamos montando feito quebra-cabeça para completar o todo. Mas faltam peças, muitas histórias terminam incompletas.
Independente de como o amor acaba, fica a lição da experiência vivida, onde cada um deu o que podia, ou queria. Não são todos que se sentem confortáveis e seguros para se entregar. Bom mesmo é quando fica um enorme carinho por quem experimentamos um sentimento tão intenso, embora nem sempre isso aconteça.
Quando o amor acaba, acaba também a fantasia de que pudéssemos ser duas metades. Somos, na verdade, dois inteiros que se complementaram. A esperança então troca de roupa e nasce o desejo genuíno de voltarmos a amar outra vez. No tempo necessário. Não tão breve, mas que também não demore muito. E que seja alguém que valha a pena investir energia, porque recomeçar demanda disposição.
Depois que o amor acaba fica uma lembrança a ser revisitada ou alguém a ser esquecido. Pode acontecer ainda que o desgaste tenha surgido antes que o sentimento tivesse se esgotado. Mas, invariavelmente, depois que o amor acaba ficamos sempre nós, que passamos a ser tudo o que temos – e é do lado de quem devemos estar.
Publicado orginalmente em: http://migre.me/f3SDW