A Pergunta da Vida



Estávamos conversando descontraidamente quando ele parou de repente, mudou a expressão do semblante, silenciou por alguns minutos, deu um gole no café e muito sério perguntou: “O que eu preciso para ser feliz?”

Mas que diabos de pergunta era essa, aquela hora da noite – pensei. Ele tinha o costume de sair de órbita como quem parece estar n’outra dimensão em meio a conversas banais e assim, fora de contexto, lançar perguntas detestáveis. Aliás, perguntas difíceis nunca têm tempo certo para serem feitas. O cara tá contando azulejos no banheiro e se pergunta: “Eu sou feliz?” A moça corta cebolas ao preparar o almoço para as crianças e se questiona: “Foi isso mesmo que sonhei para mim até aqui?”

Logo ele, que sempre se mostrou tão determinado, forte, dono de si, era mais um que vestia essa capa ilusória que tantos utilizam para parecer que tudo anda bem. De quem eles se protegem? E assim, vão passando os dias do jeito que dá, suportando um peso invisível, quando então, a questão emerge e a face da dúvida se mostra carrancuda, como esperando uma resposta única, certeira, sem vacilos ou segunda chance.

Tudo parece sob controle até que estoure. Sabe lá o quanto se suporta. Eu não sei o quanto eu suporto, você tem ideia do quanto aguenta? Os pesos e medidas são diferentes para cada pessoa. É tudo tão genérico e ao mesmo tempo, tão particular. Os problemas da humanidade parecem os mesmos, mas a diferença é que lidamos diariamente com nossas tragédias pessoais. E todos temos essas dores particulares a carregar. Ou resolver. Você sabe qual é a grande história da sua vida?

Segui bebendo meu café, querendo ganhar tempo para pensar sobre o que ele me perguntara, coloquei mais duas gotas de adoçante, peguei a colher e fiquei mexendo vagarosamente, quase a alcançar a eternidade. Por Deus! Eu não sabia o que responder. Eu entendi a seriedade da pergunta ao notar que o seu semblante era outro. Ele já não era mais o mesmo. E pude ver desespero em seus olhos negros e profundos, de um magnetismo tão intenso que quase me sugava para dentro de si. 

Eu estava perturbada. Porque também não sabia responder – nem por ele, nem por mim. Mas eu sabia que não poderia vacilar, era como se tudo ao redor tivesse parado para que ele pudesse fazer a pergunta da vida. Eu até poderia balbuciar qualquer coisa, mas não podia ser irresponsável com ele. Já notou que muitas das respostas que as pessoas dão soam definitivas, quando na verdade são completamente irresponsáveis? Eu gostava muito dele para ser irresponsável.

– Não desistir do dia de amanhã. Não desistir do dia de amanhã é o que você precisa para ser feliz. Ou pelo menos tentar. – finalmente, respondi.
– Como você sabe? – ele perguntou.
– Eu não sei. Mas você pode descobrir.
– Amanhã?
– Sim. Ou talvez leve mais um tempo. Pode ser que você precise de sucessivos amanhãs.

(silêncio)

– Eu não me sinto feliz... – ele disse enquanto os olhos marejavam.
– Amanhã pode ser que você esteja melhor. – falei, enquanto pensava “quem se sente?” Meus olhos também suavam.
– É, vou esperar.
– Espere. Estarei por aqui.
– Como você sabe?
– Eu não sei, mas achei mais conveniente falar, porque francamente, espero estar. E adoraria que você estivesse.
– Você tem razão. Preciso dar tempo ao tempo. Dar tempo a mim. 
– É difícil pra todo mundo.
– Para alguns mais, para outros menos.
– É, mas ainda assim, complicado!

Eu não estava assim tão confiante do que dizia como um todo, mas me sentia mais serena por estar sendo franca. E por oferecer a possibilidade de diversas chances. Ele ficou pensativo, baixou os olhos, mexeu o café e seguiu bebendo. Minutos depois, já estávamos nos assuntos triviais de sempre. Rindo, lembrando de alguns amigos, eu contava da viagem que havia feito no último verão, ele dizia do livro que estava escrevendo.

Passados alguns anos após esta conversa, não sei dizer se hoje ele é feliz de fato, ou se decidiu seguir em frente apenas para descobrir o que pode ser do dia de amanhã. Eu nunca falei do meu medo do futuro, até porque naquela noite, não tive dúvidas de que aquela era a pergunta da sua vida.

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