A MÃE DA MINHA MÃE



Oi, Vó!

Estranho te chamar assim. Depois de tanto tempo conseguir te chamar de vó. Já faz catorze anos desde a última vez que nos vimos e, especialmente nesse Dia das Mães, me deu uma saudade enorme de ti. É estranho, pois a gente até se conforma ou aprende a conviver com a ausência - embora lembre da presença e jamais esqueça dos momentos especiais.

Achei que não desse mais para doer e que a saudade não haveria de ser encharcada. Dessas em que não fazemos ideia para onde mesmo olhávamos antes; dessas em que, entre a pupila e o horizonte, não existe nada além de uma espessa cortina de lágrimas. Igual a quando tomamos banho e o calor da água quente nos impede de vermos o que tem a centímetros de distância ou do outro lado do vidro.

Nely. Era assim, né? Me sinto mais confortável te chamando pelo nome. Talvez poucos consigam compreender o motivo de uma neta nunca ter chamado a própria avó de vó. É bonitinho, mas quando dito, o som da palavra parece sair correndo boca a fora – diferente de vô, que ao bater nos dentes, o som retorna pra dentro da gente. É apenas uma hipótese, mas a verdade é que tu era muito mais que a mãe da minha mãe. Muito mais que vó.

Não sei quando aconteceu de eu começar a te chamar pelo nome. E não era por falta de respeito, mas por vontade de aproximação. Usava da mesma liberdade com a qual me reporto aos amigos. E tu achando um barato tudo isso, no fundo, sabia que depois de mim viriam outros netos para ser chamada de vó em definitivo.

Pelas contas que faço calmamente nos dedos, convivemos durante 11 anos, foi isso? A verdade é que parecia ser muito mais, pela diversão que significava estar na companhia uma da outra. Embora assim, era tempo insuficiente. Eu desejava três ou mais vidas ao teu lado.

Não sei ao certo quando foi que a doença começou a te roubar das nossas brincadeiras, a te tirar a alegria e diminuir nossos momentos juntas. Espero, aliás, que tenha me desculpado por não ter estado perto de ti quando a barra começou a pesar. O pai e a mãe não me disseram muito a respeito do que estava acontecendo, e eu também evitava saber que as coisas iriam mudar a partir dal -. mas de um jeito que não sei explicar, eu sabia que uma hora as notícias não seriam boas. Sei que pra ti eles também não contaram a verdade. A verdade que importa é que a gente te amava.

Sabe, além do pai e da mãe, além do que aprendi por aí e de como me virei, tu foi umas das pessoas responsáveis pelo que eu me tornei. Lembra dos roteiros mirabolantes de filmes que inventávamos? Tu que começou com essa história. As ideias mais legais eram sempre tuas e acho graça ao pensar que eram meus os papéis principais em todos eles. Eu tenho mania de falar que autoestima começa em casa, sabe? E isso é tão constante que até acabou virando piada entre alguns amigos, a mãe e a mana. Falando nisso, lembra da mana? Ela já tá na faculdade, cursa Administração. Tá mais alta do que eu. Aliás, os netos todos estão crescidos. Todos lindos e saudáveis.

E quanto a mim, hoje sou publicitária, sem emprego fixo, mas publicitária. Tô namorando com um cara legal, tu ia gostar dele – uma pena não ter tido a oportunidade de se conhecerem, eu tenho certeza de que vocês iam se gostar, iam se dar bem. Nesse meio tempo, tive alguns problemas como todo mundo, uns mais sérios – mas com a ajuda dos amigos, da mãe e da família, superei. Mas também nem quero falar disso agora.

Por falar na mãe, ela sempre fica esquisita no Dia das Mães. A gente não fala nada a respeito, mas entende que são saudades tuas. Se ela chora é no banheiro ou trancada no quarto em algum horário muito particular, porque ninguém ouve. Aliás, até hoje não consegue olhar tuas fotografias. Não fica triste por eu estar contando isso, é que ela não saberia o que fazer com tanta saudade. Mas pode ficar tranquila que na maior parte do tempo a tua filha tem se saído bem e sempre que lembra conta histórias incríveis de ti, coisas do tempo em que eu nem era nascida.

Ah, novidades de alguns anos atrás: a gente não mora mais na 992 e o Reggae - o nosso pastor alemão, lembra? O Reggae não tá mais aqui entre a gente. Fico pensando como é o céu para cachorros. Agora temos o Buddy, um labrador com olhos de ternura. Olhos de ternura. Que falta sinto dos teus!

Uma coisa a meu respeito que talvez não saiba é que comecei a escrever. No início era pra me aproximar mais do pai - que sempre gostou como tu sabe. Necessidade que filho tem de aceitação, nem sei bem. No fim das contas, tomei gosto pela coisa de um jeito que já não importa tanto se irão gostar. Quer dizer, na verdade importa, mas não é isso que determina que eu pare ou continue, quem decide sou eu. Escrever se tornou uma maneira de tornar a vida mais cor de sonho. Eu escrevo para me tornar possível.

Sabe do que eu lembrei agora? Daquela vez que o pai e a mãe foram me chamar na vizinha, dizendo que tinha uma surpresa me esperando em casa. Falaram que minha prima estava lá. Lembro que ao chegar notei que eles deviam ter feito uma brincadeira de péssimo gosto e que não tinha ninguém coisa nenhuma. De certo, apenas queriam que eu voltasse pra casa por já ser tarde. Foi uma surpresa tão grande e tão feliz quando eu te percebi escondida lá nos fundos de casa. Era tu quem estava me esperando. Nenhuma das minhas amigas poderia me dar uma alegria daquelas!

Senti tua falta na minha formatura do colégio, na do inglês. Senti tua falta na minha festa de quinze anos – sempre pensei que tu iria estar comigo naquele dia. Falta nas festas de final de ano. Uma vez a turma (era assim que tu chamava a família, né?) veio toda de Rio Grande passar o Revéillon lá em casa. Foi um dos dias em que a mãe foi mais feliz. E eu também.

Fica bem por aí que a gente vai tentando se cuidar aqui.
Uma hora a gente se encontra.

Beijos.
Com todo amor, tua neta,
Gabi.

20 comentários:

  1. Uauuu Parábens Gabriela!! Você escreve muito bem!!

    http://lucideznua.blogspot.com

    Beijo!!

    ResponderExcluir
  2. Lindo seu texto, Gabi!!!

    Parabéns!!!

    Sabe que ao ler, me bateu uma saudade maior ainda da minha Vó .... e olha que ela está mais próxima!!! Enfim, familia, não tem preço!!!! É o nosso porto seguro!!

    Se quiser: http://cafecomatitude.blogspot.com

    Boa semana

    Bjokasssss

    ResponderExcluir
  3. Oi Gabi! Olha, lamentavelmente eu não tive a felicidade de conhecer as minhas avós, se sabia alguma coisa com relação a elas, é porque meus pais falavam.

    Parabéns pela forma tão delicada e tão carinhosa com que falas de tua "vó". Percebe-se a intensidade do amor que tinhas e que continuas tendo por ela, mesmo estando distante. Parabéns também pelo texto, muito consistente e muito bem coordenado.

    beijos,

    Furtado.

    ResponderExcluir
  4. Oi, Gabi!
    Lindo o texto. E não é que você acabou falando de como começou a escrever? Que bom que esse hobby acabou virando hábito e você continuou alimentando-o.
    Posso dizer uma coisa? Sei que tá parecendo que eu tô "puxando o seu saco" demais, mas é que as suas palavras me incentivam. Na verdade, o seu blog foi o primeiro que li e disse: "cara, eu quero escrever assim um dia: crônicas com um humor inteligente, finais imprevisíveis". Enfim, obrigada pelo incentivo através das palavras.
    Quanto a idéia do e-book, falhou. Ainda pretendo tentar escrever, mas só para ver como fica, porque sempre acho as idéias bobas e tãão infantis que, aff, me revolto.
    Beijo!

    ResponderExcluir
  5. vózinha é tudibom mesmo :D

    blog legal bjos

    ResponderExcluir
  6. vó é mãe duas vezes.

    ResponderExcluir
  7. Olá, Gabi. Obrigado pela visita no meu blog. Volte sempre. Sobre este texto, assim ó: identificação total. Adorei a parte dos roteiros dos filmes. Eu ainda guardo meu primeiro livro. Nos créditos, lá está o nome da minha Viroca que ajudou a recortar as letras da capa. [ ], Márcio.

    ResponderExcluir
  8. Anônimo11:47

    Valeu por falar quem é o verdadeira autor do texto, mas foi no e-mail que recebe que tinha o Miguel como autor!

    Abraços.

    ResponderExcluir
  9. menina, pois é...somos filhas do bom velhinho...rs

    qto ao texto, me identifiquei demais, morro de amores por meus avós...

    carinho de avô e avó é sempre bom né?!

    bjinhos

    ResponderExcluir
  10. Moça, ótima Crônica. Estou sentindo sua falta no Arlequinal.

    Beijos

    ResponderExcluir
  11. me emocionei... vó e vô temos que cuidar... conheci meus 4 avós, e uma avó já se foi!

    parabéns pelo carinho das tuas palavras!

    bjs

    ResponderExcluir
  12. Bela carta, Gabriela! Gostei. Tocante.

    Sou mais velho que vc, e já perdi mais gente. Todos, na verdade. Não me restam avós, nem pai ou mãe. Sou um órfão. Agora tenho minha nova família: minha mulher e minha filha.
    Quando perdi minha mãe, há menos de 2 anos, escrevi um texto sobre isso. Sobre este de repente, que salta sobre nós, de súbito. A morte de quem amamos...
    Leia quando tiver tempo; é curto:

    http://oscausosdocruz.blogspot.com/2008/10/de-repente.html

    bjão e parabéns pelo talento!
    Cesar Cruz

    ResponderExcluir
  13. Achei muito, muito lindo mesmo. Ainda tenho as duas avós, mas elas não são tão próximas, e acho que não conseguiria escrever um post tão belo assim se uma delas se fossem. Mas a minha empregada é como uma avó, e imagino o quão gostoso e ao mesmo tempo dolorido é se lembrar de alguém tão bom que se foi... :*

    ResponderExcluir
  14. Uma escrita simples para alguém que a memória não distancia.
    Gostei.

    ResponderExcluir
  15. Poxa, Gabriela, que simples e lindo esse texto. Prova de que vem do coração. Em algum lugar a sua voó deve ter colocado um sorriso singelo no rosto por ter uma neta especial como você.

    :)

    Um beijo

    ResponderExcluir
  16. Você coloca um sentimento muito legal em suas crônicas, notavelmente talentosa! parabéns!
    se der dá uma passadinha no meu "sofá"? hehe

    http://sofadosdesvaneios.blogspot.com/

    bj

    ResponderExcluir
  17. arlete09:07

    É minha filha, foi vc foi abençoada
    por ter convivido e por poder guardar os bons momentos
    que viveu com sua vó.
    E eu , tive o privilégio de ter uma mãe como ela. "ELA FOI UM ANJO QUE DEUS NOS DEU.MAS... COMO ELE QUER OS ANJOS LÁ NO CÉU ..."
    filha !!! parabéns pela crônica maravilhosa ."ME EMOCIONEI MUITO".
    acho até que ela vai ficar se achando lá no céu rsrrsrsr !!!
    BJU E OBRIGADA POR ESCREVER SOBRE A MINHA MÃE.PS: TE AMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

    ResponderExcluir
  18. Obrigada, mãe!

    Se eu tiver feito ela feliz - mesmo que 1/10 do que fui quando ela ainda estava aqui com a gente, para mim já basta. Ela era incrível. Sinto saudades.

    Eu também TE AMOOO MUITÃO!
    Eu que agradeço por ela ter sido tua mãe e tu, filha dela. E por conseguinte, ela: minha Nely (vó) e tu: mãe minha! =)

    beijos.

    ResponderExcluir
  19. Pôxa, que saudades senti da minha querida avó materna!!! Tive o prazer de ter uma convivência bem próxima, daquelas das antigas, passar finais de semana, férias, que delícia!!!!!!!!!! que bom ter tido este privilégio!!! Saudades da Vó Lourdes!!!














    vilégio

    ResponderExcluir
  20. riki17:07

    É já dizia o ditado:Vó é mãe com açúde...Vc me lembrou da minha...
    meu pai falava que com eles (seus filhos) a linha era mais dura .
    Mas conosco seus netos ela até protegia...parabéns a vc que não se esqueceu de homenagear a quem muitas vêzes fica esquecido...
    um grande abraço!!! e nota 10 ;)

    ResponderExcluir

Obrigada pelo seu comentário.

 
A Cronista © 2013 | Gabriela Gomes. Todos os direitos reservados.